Consultorias revelam que a falta de talentos qualificados inflacionou salários com taxas de aumento de até 20%.
O crescimento acima de 10% do mercado de TI no Brasil e a taxa cambial ajudaram a supervalorizar os profissionais do setor. Atualmente, os executivos brasileiros da faixa “C-Level”, que ocupam altos cargos, estão entre os que recebem os melhores salários em comparação com os que desempenham a mesma função em outros países, como Estados Unidos, Inglaterra e Cingapura, constatam pesquisas de consultorias de recursos humanos. A situação favorável do País tem despertando interesse de talentos estrangeiros a virem para cá, principalmente os de regiões onde a crise econômica reduziu as ofertas de emprego.
Esse cenário aumentou ainda mais o custo da mão de obra de TI no Brasil, que já era considerado um dos mais altos do mercado mundial por conta da pesada carga de impostos. O encarecimento dos profissionais gera impacto em organizações que atuam com projetos globais. Alternativas estão sendo buscadas para minimizar o problema e companhias esperam que a Medida Provisória (MP) 540/11, sancionada pela presidente Dilma Rousseff, desonerando a folha de pagamento, ajude a reduzir gastos com recursos humanos.
A MP faz parte do Plano Brasil Maior lançado pelo governo federal para melhorar a competitividade de alguns segmentos da economia nos mercados local e externo. Entre os contemplados estão desenvolvedores de software e prestadores de serviços de TI que foram beneficiados com a substituição da taxa de 20% da contribuição previdenciária por uma cobrança de 2,5% sobre o faturamento. A isenção foi aprovada por um período de dois anos e vale até dezembro de 2014.
“Estamos pagando mais para os profissionais porque o Brasil ficou muito tempo sem investir em TI. Hoje, nossos investimentos são duas vezes e meia maiores que a média mundial”, analisa Lucas de Toledo, gerente-executivo da divisão de Tecnologia da consultoria Michael Page, especializada na contratação de executivos. Ele constata que as companhias estão contratando especialistas e pagando mais para ter bons talentos.
David Braga Dasein, gerente-geral da Dasein Executive Search, outra consultoria que recruta executivos do alto escalão, contabiliza que o volume das contratações de TI no Brasil só perde para o setor comercial. A busca por talentos é para atender à demanda das companhias do País que, segundo o instituto de pesquisas Gartner, vão aumentar em 10% os gastos com tecnologia até 2014. Para 2012, a consultoria estima que os investimentos serão da ordem de 143,8 bilhões de reais.
Como o Brasil tem déficit de talentos de TI, Braga afirma que a escassez ajuda a inflacionar os salários. Isso em razão de os profissionais serem mais assediados. O professor do curso de pós-graduação da Fiap, Sérgio Alexandre Simões, que também é sócio da PriceWaterhouseCoopers (PwC) Brasil, acredita que o encarecimento da mão de obra no País é reflexo da valorização do real frente ao dólar e dos movimentos de formalização dos contratos trabalhistas.
“Há cinco anos, os modelos de contratação de ‘PJ’ (Pessoa Jurídica) e ‘Pejotinha’ eram muito praticados no Brasil. Com o aumento dos processos trabalhistas, muitas companhias oficializaram os contratos e os profissionais ficaram mais caros. Pela CLT, eles custam o dobro para as empresas”, diz o consultor Simões.
Salários do mercado brasileiro
Uma confirmação de que as companhias estão pagando mais para os profissionais de TI é o Guia Salarial 2011-2012, realizado ela consultoria Robert Half, especializada em recrutamento de talentos. O estudo com organizações pequenas, grandes e médias constatou que os empregados do setor tiveram valorização salarial média em torno de 20% no último ano.
Segundo a consultoria Robert Half, um dos motivos da valorização dos profissionais brasileiros é a alta demanda por TI no País nos diversos segmentos da economia, principalmente em áreas como Finanças, Indústria e Serviços. Os talentos mais reconhecidos são os que possuem perfis mais seniores e que, além de conhecimentos técnicos, têm visão estratégica. Ou seja, são os que sabem transformar tecnologia em negócios.
Os que sabem traduzir os anseios das linhas de negócios em projetos de TI e convencer o board sobre a necessidade de investimento em determinada área, são hoje os mais cotados. “O profissional que consegue mesclar excelência técnica com habilidades de negociação e comunicação, por exemplo, é muito demandado e está entre os mais valorizados em salário no último ano”, explica Maria Paula Menezes, gerente da divisão de TI da Robert Half. Ela dá o exemplo do teto salarial de um analista de negócios no nível de entrada que aumentou de 5 mil reais em 2010 para 6,5 mil reais em 2011.
O estudo “O mercado de profissionais de TI no Brasil”, que acaba de ser divulgado pela Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), revela que os salários do setor crescem acima da inflação na maioria dos estados desde 2003. Como resultado disso, a média mensal do salário de TI para quem tem nível superior é de 2.950 reais, quase o dobro da nacional que é de 1.499 reais.
As remunerações de TI variam de acordo com o estado. Um analista de desenvolvimento de sistemas, por exemplo, pode ganhar mensalmente 3.980 reais no Distrito Federal, 3.415 reais no Rio de Janeiro e 2.950 reais em São Paulo. Se essa mesma pessoa estivesse empregada no Paraná ou Bahia, seu salário seria mais baixo e em torno de 2,2 mil reais. Na média nacional, a remuneração desse profissional é 2.862 reais por mês.
Apesar das boas oportunidades de emprego no setor, a evasão nos cursos superiores de TI chegou a 87% no País em 2010, segundo estudo da Brasscom. A associação mapeou o mercado de profissionais de TI em oito estados para analisar essa contradição e tentar entender as causas do déficit de mão de obra, com previsões de aumento em 2011 para 92 mil pessoas.
Hoje, a demanda por talentos no País é maior do que o número de jovens que saem anualmente das universidades, agravando o problema da escassez por talentos qualificados. Um exemplo disso é o estado de São Paulo, que contratou 14 mil profissionais de TI em 2010 e as instituições de ensino formaram 10 mil estudantes.
A pesquisa prevê que em 2014 haverá uma demanda por 78 mil profissionais de TI nas oito unidades da federação analisados (SP, RJ, PR, DF, MG, BA, PE e RS), enquanto que o número de formandos não alcançará nem a metade disso. As projeções indicam que apenas 33 mil estudantes de cursos na área sairão das universidades nos próximos três anos. Os únicos estados que terão talentos na quantidade necessária são BA, MG e PE.
O presidente da Brasscom, Antonio Rego Gil, é a favor de uma redistribuição das vagas nas universidades brasileiras, com cursos que atendam à demanda das empresas do setor e nos locais onde elas estejam instaladas. “As próprias companhias de TI podem reestruturar suas operações de acordo com o panorama apresentado pelo estudo”, orienta o executivo.
Em busca de alternativas
O problema do déficit de profissionais de TI gera impacto para as companhias na hora de contratar novos talentos ou de realizar projetos globais, colocando por vezes o CIO brasileiro numa saia justa. Fernando Birman, diretor de Sistemas de Informação da Rhodia para a América Latina, admite que não é fácil justificar para matriz, na França, o alto custo da mão de obra do Brasil.
A Rhodia opera com times globais de TI. A subsidiária brasileira, que tem uma equipe de 90 profissionais, atende aos Estados Unidos e centros de competência mundial da fabricante. A realização de projetos é feita por um grupo misto de profissionais distribuídos pelo mundo para aproveitar as habilidades de cada um. O Brasil se destaca pela sua expertise no sistema de gestão empresarial (ERP) da SAP, em Business Intelligence e infraestrutura.
“Antes, o nosso custo não aparecia tanto e até dava para disfarçar. Agora, com a valorização do real, o custo do pessoal técnico do Brasil está próximo ao da Europa”, conta o CIO. Geralmente, os talentos envolvidos nos projetos globais são de nível sênior e com bagagem para atender às demandas da companhia.
A forma que ele encontrou para se defender é argumentar que não pode substituir os técnicos com muito conhecimento. “Eles conhecem os processos de negócio e são bons em qualquer lugar do mundo. Vamos ter dificuldade para encontrar talentos como esses não só no Brasil como nos Estados Unidos e Europa”, diz.
Para convencer a matriz a não mexer no seu time, ele justifica que o Brasil deixou de ser “low cost” para tornar-se uma equipe de alta qualidade. Como não haverá corte, as contratações de nível sênior não aumentarão. A empresa investirá em novos talentos e tentará capacitá-los de acordo com as necessidades da Rhodia.
Interesse dos estrangeiros
Assim como a Rhodia, outras multinacionais estão buscando alternativas para equilibrar o alto custo da mão de obra de TI no Brasil. Algumas estão repatriando talentos que estão no exterior e outras até procurando profissionais mais baratos em outros mercados.
Lucas Toledo, da Michael Page, informa que algumas fazem outsourcing de talentos localizados em outros países e até de mercados vizinhos na América Latina. Ele constata que o processo de imigração é caro e que as empresas têm de oferecer ao empregado uma contrapartida para que ele se mude para o Brasil. Por isso, os convites para transferência de estrangeiros para cá são mais para executivos do alto escalão.
Mesmo assim, as consultorias estão sendo bombardeadas por candidatos estrangeiros a uma vaga no mercado local. “Recebo uma média de 40 currículos por dia de profissionais de TI de diversos níveis querendo trabalhar no Brasil”, informa Braga, da Dasein Executive Search.
“Chega diariamente por aqui entre dez e 15 currículos só de candidatos de TI”, contabiliza Toledo, da Michael Page. Segundo ele, a procura é maior por talentos entre 25 e 35 anos, que estão mais dispostos a fazer mudanças e correr riscos.
“Somos menos procurados pelos heads, mas já fomos acionados por CIOs de bancos dos EUA, querendo vir para o Brasil”, revela Toledo. Eles sentem-se atraídos pelas oportunidades de emprego e perspectivas de ganhos. “Vários heads de TI do Brasil têm salários maiores que os que atuam nas matrizes, no exterior”, afirma o headhunter. Eles consideram a situação favorável do Brasil e a maturidade do mercado interno em TI oportunas para evoluírem na carreira.
Quando vêm para cá, nem todos conseguem se adaptar ao ritmo de trabalho dos executivos brasileiros, acostumados com as longas jornadas. “Alguns gestores trabalham até às 23 horas e essa realidade não é vivida por outros países”, constata.
Em sua opinião, o brasileiro trabalha mais não por ser improdutivo ou gerenciar mal o seu tempo, mas porque é obrigado a lidar com a ineficiência operacional do Brasil. O executivo tem de conhecer a burocracia logística, os problemas tributários e administrar todas as dificuldades do País. “Os executivos brasileiros têm maestria para gerenciar problemas em tempos de crise. Eles são competentes e tudo isso impacta nos salários”, afirma o headhunter da consultoria internacional Dasein.
Fonte: CIO – UOL